sábado, 26 de junho de 2010



uma coisa



tenho tempo e não tenho
o tempo me sobra por sobre o tédio da vida
me falta pelo que ela exige de mim
me esvazio
até não mais existir expectativas
não as crio para mim
não as dou para os outros
logo logo morro
quero fazê-lo sem assombro
porque o tempo
esse é rápido-lento
e hoje
o tédio me engoliu inteira



Nercy Luiza Barbosa





eterna


se findar-me
trouxesse um último momento com a consciência de estar me extinguindo
enfimo pegaria nas mãos
como quem seguraum infante frágil
delicado

gentil
o aninharia junto ao colo para sempre
para o sempre que desconheço
que deve ser de um azul ferido



Nercy Luiza Barbosa

domingo, 23 de maio de 2010



Mineral



Minha cidade imaginária não tem chão, ou melhor... Tem sim! Só que é transparente. Quando se anda pelas ruas, pisa-se sobre uma outra cidade. Ou será outro mundo? Não sei! Há dias que o humor está ácido. O dia está nublado e tudo parece um tédio, piso mais forte nesse chão. Então, ele se rompe... e lá vou eu, deslizando para meu mundo perfeito. Todo o lugar existe sobre as águas, e eu ando por entre árvores de folhas líquidas, verdes e ondulantes. Os pássaros mudam de forma como ondas do mar sob o vento. As pessoas escorrem pelo chão d’água, feito água mesmo, tudo é água. Ao pisar sobre elas (sem querer), elas me sorriem um riso molhado e fértil. Fértil porque desse sorriso brota outros.À margem desse chão corre uma biblioteca-rio continuamente, nela se pode ler todos os livros do mundo, e todos no idioma eu falo. Há também meu cachorro que morreu, ao me ver ele dança de alegria e eu de louca mesmo, mas uma loucura feliz. O lugar todo é magia molhada. É quando me dou conta que preciso voltar para minha realidade ilhada. E todas as vezes que tudo fica árido, é nesse outro mundo molhado que entro. É dele que volto... inteira mineral.



Nercy Luiza Barbosa

sábado, 27 de fevereiro de 2010




nosso nome


de tantas cores
às vezes
sou arco-íris de sangue policromo
enquanto dorme
minha verdade
minha colcha de retalhos
retalham a carne e o sobrenome
um abandono doce me toma
como a lembrança
do seu azul sobre mim
por sobre nós
nosso nome



Nercy Luiza Barbosa

terça-feira, 12 de janeiro de 2010




Vasto



Grande como um cavalo morto
lá está ela deitada por sobre o irônico prado verde
Ao redor - flores de papel e plástico
embelezam uma vida breve
como breve é o grande cavalo morto
E os vermes fazem festa
se fartam da matéria quase podre
quase doce, quase ela, quase pouco
Agora ela é ele, ela é grande
corre solta pelo prado amplo
sem gênero, sem sexo, sem amarras
morta - vive o que a vida lhe roubou
.é torto.





(Nercy Luiza Barbosa)





Solicitude


meu reflexo quebrado
adere ao mosaico-espelho
em suas fendas nossa história

nessa lenda
a palavra desvelo
escrita é
a sangue e zelo

o mosaico se desintegra
eu me perco



(Nercy Luiza Barbosa)